terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Piloto-automático

Hoje em dia, todos estão sempre muito ocupados. Vivem correndo contra o tempo, como se estivessem em débito com algo extremamente importante a ser feito e concentrados no depois. O ritmo acelerado da vida contemporânea deixa as pessoas numa rotação tão alta, que pouco se dão conta que não conhecem umas às outras.
Percebo isso ao analisar a superficialidade das relações humanas. Quando não restritas às redes sociais, as conversas basicamente se resumem à banalidade cotidiana -com pérolas de como o dia está quente, como o trânsito está irritante, como foi absurdo não anularem aquele gol impedido no jogo da última quarta-feira, por exemplo- ou ao chato e repetitivo papo de trabalho. É como se todos estivessem ligados em piloto-automático, não se aprofundando em nada do que se conversa, já que se tem outras prioridades.
Reflitamos. Você chega no seu ambiente de trabalho -ou de estudo- e se depara com as mesmas caras dia após dia. Quantas dessas pessoas você conhece a fundo? Quais os gostos de cada uma? Quais as suas visões de mundo e as suas pretensões de vida? Provavelmente, as respostas serão poucas, proporcionais às conversas que se teve.
Paradoxalmente, numa sociedade tão interconectada pelas redes sociais, as pessoas estão cada vez mais distantes, ainda que o feed do Facebook diga o contrário. Se a tecnologia e a globalização encurtaram as distâncias do mundo e aproximaram a coletividade, a correria automatizada do cotidiano afastou os indivíduos. Nesse ínterim, o ato de compartilhar deixou de ser algo real, isolando-se como instrumento de viralização na internet.
Seria interessante uma discussão sobre isso, um papo de bar, um cafezinho, ou algo do tipo. Se alguém topar, pode me mandar uma mensagem pelo Whatsapp. Quando puder, lerei. Pena que agora não posso conversar, estou atrasado e tenho que organizar as coisas da semana que vem. Fui!

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Meus pêsames

A capacidade de o ser humano trabalhar a linguagem verbal é algo formidável, que o difere dos outros animais. Racionais que somos, tentamos traduzir em palavras o que sentimos, o que pensamos -faço isto neste momento- para que possa ser captado pelos demais. 
Com o passar dos anos, a expressão linguística humana foi aprimorada, como podem evidenciar os vários idiomas difundidos no mundo. A língua portuguesa, por exemplo, é extremamente rica em verbetes e expressões, sendo deveras complexa. Curioso como algo tão sofisticado como a língua encontra algumas barreiras. Me atenho aqui à barreira da empatia, que me chama a atenção.
O paradoxo da empatia é difícil de ser resolvido. De um lado, é fácil demonstrarmos empatia num contexto positivo, onde o sentimento que se emana é a felicidade. Vibrar com a vitória do outro é algo contagiante, tranquilamente retratado por expressões alegres e com alto teor de veracidade. Por outro lado, há coisa mais complicada que demonstrarmos empatia com a perda alheia? Será que há algo mais piegas que simplesmente dizer "meus pêsames" ao vermos o sofrimento de um terceiro? Por mais que alguns troquem a expressão pelo equivalente "meus sentimentos" -não sei qual a pior- a frase parece que não carrega emoção. É evidente a dificuldade de se fazer verossímil a tradução verbal de um sofrimento compartilhado.
Procuro a causa desta barreira na incapacidade humana de lidar com as perdas e, principalmente, com a morte. Vejo como retrato de uma herança da sociedade ocidental, que tem dificuldade em encarar abertamente a morte e a interpretá-la como algo natural. Exemplo disso é o fato de quase não vermos pais discutindo com suas crianças o que significa morrer. A dificuldade que estes pais encontram é símbolo de seu próprio desconhecimento sobre o tema. Assim como com quase tudo que é desconhecido, teme-se a morte. 
Se a perda maior não é algo bem digerido pelas pessoas, a sensação desconfortável é repassada para os demais insucessos. Não sei ao certo se algum dia será possível resolver o paradoxo da empatia e tornar verossímeis as expressões solidárias à perda alheia. Creio que o melhor a fazer é substituir, neste caso, a linguagem. Em vez de falar, talvez seja melhor olhar e tocar, já que a expressão mais primitiva, às vezes, é quem melhor traduz o que sentimos.
Caso alguém partilhe deste meu devaneio e fique feliz com a identificação, pode usar toda a complexidade da língua para traduzir este sentimento. Caso fique triste com a dificuldade de enfrentar o paradoxo e queira mostrar-se empático, favor não me desejar "meus pêsames".