sábado, 25 de abril de 2015

O choro

Entrou às pressas na livraria sem olhar para ninguém. Procurou a mesa mais afastada e pediu somente um café, como de costume. Estava atrasado para entregar a tradução que prometeu ao editor, o que o deixou bastante impaciente.
Há quatro anos, desde a morte precoce de sua esposa, o seu convívio social se restringiu basicamente ao dono da livraria onde passava suas tardes e ao seu contato na editora. Solitário e inconsolável foi como ficou após perder a mulher que amava. Essa mudança em sua vida foi capaz de transformar um bom escritor que já emplacara um ou dois sucessos em um medíocre tradutor de best-sellers. “Me prostituo intelectualmente por míseros trocados”, queixava-se, deprimidamente, enquanto revisava a tradução.
Já não via grande propósito no cotidiano, considerando-o uma sequência de acontecimentos sem muita importância. Nada mais era assunto para um texto, ninguém mais lhe inspirava a contar nenhuma história. A motivação para escrever reduziu na medida em que se isolou afetivamente do mundo que o rodeava. Descobriu a duras penas que viver sem paixão é sobreviver.
Embora seu dia tenha começado como o habitual, apático e sem brilho, algo subitamente despertou-lhe a atenção. Do outro lado da livraria, ouviu o choro de uma jovem que observava os livros de uma estante. O caráter incomum daquele episódio foi responsável por conquistar seu interesse. Quem era aquela jovem e o que a motivara a chorar? Essas perguntas automaticamente martelaram na sua cabeça. Aproximou-se e fitou-a com atenção. Ela aparentava mais ou menos a idade de sua esposa ao falecer e trazia no olhar uma transbordante melancolia. Ao perceber seu observador, ela derrubou o livro no chão e foi embora, assustada. Quando o apanhou, ele viu que aquele era um exemplar do seu primeiro romance publicado.
Esse inusitado acontecimento foi seguido de um punhado de dúvidas sobre a misteriosa jovem e de como seu livro foi capaz de tocá-la. Isto lhe despertou novamente a vontade de escrever. Pensou que se sua literatura foi responsável por sensibilizar alguém, ela ainda poderia fazê-lo dar sentido à vida.
Passou a noite em claro. Esta e as seguintes, escrevendo um esboço de um livro. Ligou pro seu editor, avisou que voltara a escrever e que já tinha uma prévia do texto. Ao ter seu material lido, não foi poupado das críticas que lhe cabiam. Disseram-lhe que seu novo trabalho não trazia o necessário para fisgar o leitor, que seria uma publicação fadada ao fracasso. Novamente deprimido, teve que se manter como tradutor para sobreviver.
Continuou a passar suas tardes na livraria, isolado do mundo, entre tristezas e traduções. Então, num dia tão igual aos outros, novamente avistou a jovem olhando as estantes. Decidiu agradecê-la por reavivar, ainda que por pouco tempo, seu desejo de escrever. Respirou fundo, levantou desajeitadamente da cadeira e seguiu em sua direção. Ria, nervoso, sem saber exatamente o que e como dizer. Foi quando, finalmente, percebeu que o que faltava em seu novo texto era justamente aquilo de que também carecia sua vida: bons diálogos.

3 comentários:

  1. Estranho que eu estava pensando em um assunto mais ou menos parecido hoje mais cedo.
    Quando era adolescente dificilmente um filme me comovia. Aliás, nenhum filme me comovia a ponto de querer chorar.... Talvez a Vida é bela..... mas depois de adulto fiquei muito mais sensível a diversos temas, até mesmo românticos. Você nunca chora em um filme romântico se você nunca se apaixonou. O que vale do contrário também.
    A inteligência emocional só cresce com as experiências pessoais

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  2. Muito bom! Adorei o final. Achei uma surpresa bem-vinda!

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  3. Muito bom, Caio. Uma narrativa que prende a atenção do começo ao fim. Parabéns!

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