terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Meus pêsames

A capacidade de o ser humano trabalhar a linguagem verbal é algo formidável, que o difere dos outros animais. Racionais que somos, tentamos traduzir em palavras o que sentimos, o que pensamos -faço isto neste momento- para que possa ser captado pelos demais. 
Com o passar dos anos, a expressão linguística humana foi aprimorada, como podem evidenciar os vários idiomas difundidos no mundo. A língua portuguesa, por exemplo, é extremamente rica em verbetes e expressões, sendo deveras complexa. Curioso como algo tão sofisticado como a língua encontra algumas barreiras. Me atenho aqui à barreira da empatia, que me chama a atenção.
O paradoxo da empatia é difícil de ser resolvido. De um lado, é fácil demonstrarmos empatia num contexto positivo, onde o sentimento que se emana é a felicidade. Vibrar com a vitória do outro é algo contagiante, tranquilamente retratado por expressões alegres e com alto teor de veracidade. Por outro lado, há coisa mais complicada que demonstrarmos empatia com a perda alheia? Será que há algo mais piegas que simplesmente dizer "meus pêsames" ao vermos o sofrimento de um terceiro? Por mais que alguns troquem a expressão pelo equivalente "meus sentimentos" -não sei qual a pior- a frase parece que não carrega emoção. É evidente a dificuldade de se fazer verossímil a tradução verbal de um sofrimento compartilhado.
Procuro a causa desta barreira na incapacidade humana de lidar com as perdas e, principalmente, com a morte. Vejo como retrato de uma herança da sociedade ocidental, que tem dificuldade em encarar abertamente a morte e a interpretá-la como algo natural. Exemplo disso é o fato de quase não vermos pais discutindo com suas crianças o que significa morrer. A dificuldade que estes pais encontram é símbolo de seu próprio desconhecimento sobre o tema. Assim como com quase tudo que é desconhecido, teme-se a morte. 
Se a perda maior não é algo bem digerido pelas pessoas, a sensação desconfortável é repassada para os demais insucessos. Não sei ao certo se algum dia será possível resolver o paradoxo da empatia e tornar verossímeis as expressões solidárias à perda alheia. Creio que o melhor a fazer é substituir, neste caso, a linguagem. Em vez de falar, talvez seja melhor olhar e tocar, já que a expressão mais primitiva, às vezes, é quem melhor traduz o que sentimos.
Caso alguém partilhe deste meu devaneio e fique feliz com a identificação, pode usar toda a complexidade da língua para traduzir este sentimento. Caso fique triste com a dificuldade de enfrentar o paradoxo e queira mostrar-se empático, favor não me desejar "meus pêsames".

3 comentários:

  1. Compartilho da sua opinião. É muito dificil compartilhar verbalmente a nossa empatia, principalmente nos casos de perda. O clássico meus pêsames parece muito impessoal, mesmo que realmente eu esteja sentindo muito, ao dizer isso parece estou falando por praxe.
    Muito bom eu texto. Como esperado de você.
    Seus parabéns.

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  2. Não sei se entendo essa questão do "paradoxo". Para mim, demonstrar empatia no caso de felicidade é diferente de demonstrar empatia em uma situação triste. Não há paradoxo aí, na minha opinião.

    Por outro lado, vejo um paradoxo em mim que está muito relacionado ao que você escreveu sobre não sabermos lidar com a morte. Eu considero que lido muito bem com a morte de entes próximos. Para mim, a morte é parte natural da vida. É claro que me sinto triste, especialmente quando é alguém que morre ainda jovem. Porém, fico feliz em saber que aquela pessoa realmente fez bem para mim e teve um significado importante em minha vida. Quando morrer, quero que as pessoas tenham um sentimento semelhante e que não fiquem tristes. Quero que fiquem felizes por minha existência ter significado algo para elas. E, por pensar assim, é o que sinto quando alguém morre. Eu não quero pessoas dizendo "meus pêsames". Quero que as pessoas sorriam e me falem algo legal que lembram sobre aquela pessoa. Um momento feliz, um momento triste, um momento constrangedor, qualquer coisa.

    E aí está o meu paradoxo: eu não consigo dizer nada disso para uma outra pessoa, pois não sei se ela lida com a morte da mesma forma que eu. Então, mesmo sem acreditar no que estou dizendo, eu digo: "meus pêsames".

    Parabéns pelo texto! É uma reflexão muito boa.

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    1. Dilson, vejo esse paradoxo ao comparar a facilidade com que se demonstra empatia com coisas felizes e a dificuldade de se demonstrar com eventos tristes. As situações são diferentes, mas o sentimento "empatia" é o mesmo. Entende?
      Posso ter dado o exemplo de um caso extremo como a morte, mas não é só a isso que se aplica meu paradoxo. Vamos analisar o vestibular, por exemplo. Se alguém é aprovado, facilmente damos os parabéns, damos gritos de alegria pela pessoa. Por outro lado, caso a mesma não seja aprovada, encontramos muita dificuldade em expor o nosso pesar com aquele fato -ainda mais para expor com verossimilhança.
      Isso que você falou sobre formas de encarar a morte é algo muito interessante. Realmente não temos como saber de qual forma as outras pessoas encaram esse fato, o que atrapalha ainda mais a forma de lidarmos com isso.
      Obrigado pelo elogio ao texto! Eu que agradeço seus comentários.

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